As Disputas Estruturais que Travam o Brasil: Entre a Crise Permanente e o Futuro que Ainda Não Nasceu
Por Osvaldino Vieira de Santana – 18 de novembro de 2025
O Brasil atravessa um momento histórico marcado por tensões profundas, disputas políticas intensas e um sentimento coletivo de paralisia. Embora vivamos em um país democrático, as crises que se repetem revelam que ainda não foi possível construir um projeto de sociedade capaz de incluir, de forma justa e sustentável, a pluralidade de seus cidadãos. À luz de pensadores como Norberto Bobbio, Antonio Gramsci e Nancy Fraser, é possível compreender os interesses que sustentam essa instabilidade prolongada e impedem a emergência de uma nova ordem social.
1. Interesses implícitos que dificultam a superação das crises
A manutenção dos privilégios históricos
No centro das disputas políticas brasileiras está o esforço permanente das elites econômicas em preservar seus privilégios. Grupos que concentram riqueza, influência e acesso a decisões estratégicas resistem sistematicamente a reformas que promovam redistribuição de renda, fortalecimento das políticas públicas e ampliação de direitos sociais.
Esse movimento confirma o que Bobbio descreve como o embate estrutural entre projetos: a luta entre conservar privilégios e transformá-los.
Esse movimento confirma o que Bobbio descreve como o embate estrutural entre projetos: a luta entre conservar privilégios e transformá-los.
Financeirização e domínio das corporações
Nancy Fraser aponta que o neoliberalismo aprofundou as crises sociais ao colocar o poder financeiro no centro das decisões políticas. No Brasil, os impactos são visíveis no teto de gastos, na desregulamentação trabalhista, em políticas fiscais regressivas e na prioridade concedida aos credores da dívida pública.
Essas escolhas reduzem a capacidade do Estado de atuar como promotor de bem-estar e tornam inviável um projeto social robusto.
Essas escolhas reduzem a capacidade do Estado de atuar como promotor de bem-estar e tornam inviável um projeto social robusto.
A exploração das desigualdades como arma política
No vácuo de projetos consistentes, setores políticos transformam desigualdades em ferramenta de polarização. Medo, insatisfação e insegurança são instrumentalizados para mobilizar apoios e consolidar posições.
Nesse ambiente, proliferam notícias falsas, discursos anti-intelectuais, criminalização da pobreza e ódio politizado.
Gramsci identificaria nesse fenômeno um “interregno”: o velho está ruindo, mas o novo ainda não conseguiu nascer.
Nesse ambiente, proliferam notícias falsas, discursos anti-intelectuais, criminalização da pobreza e ódio politizado.
Gramsci identificaria nesse fenômeno um “interregno”: o velho está ruindo, mas o novo ainda não conseguiu nascer.
Fragmentação das classes populares
As mesmas populações que deveriam compor um bloco popular de transformação encontram-se divididas por disputas identitárias mal conduzidas, competição econômica precária, influência religiosa organizada, manipulação midiática e dinâmica das redes sociais.
Essa fragmentação impede a formação de uma força política capaz de romper com a hegemonia neoliberal.
Essa fragmentação impede a formação de uma força política capaz de romper com a hegemonia neoliberal.
2. Como esses interesses se manifestam e bloqueiam a transformação social
No discurso público e na mídia
Narrativas que demonizam políticas redistributivas e um Estado social forte ganham espaço. Mudanças são apresentadas como ameaças à estabilidade.
Ao reforçar essa visão, parte da mídia corporativa invisibiliza debates estruturais e protege interesses do topo da pirâmide.
Ao reforçar essa visão, parte da mídia corporativa invisibiliza debates estruturais e protege interesses do topo da pirâmide.
Na formulação das políticas públicas
A influência direta de grupos econômicos leva à aprovação de medidas que reduzem investimentos sociais, enfraquecem órgãos reguladores, incentivam privatizações e precarizam o trabalho.
Essas escolhas impedem que o “novo” apontado por Gramsci se materialize.
Essas escolhas impedem que o “novo” apontado por Gramsci se materialize.
Nas redes sociais e na cultura política
A polarização constante esvazia o debate de conteúdo e transforma conflitos sociais em espetáculo.
Energias que poderiam fortalecer movimentos coletivos são desviadas para disputas superficiais e emocionais.
Energias que poderiam fortalecer movimentos coletivos são desviadas para disputas superficiais e emocionais.
No bloqueio de alternativas progressistas amplas
Segundo Nancy Fraser, o neoliberalismo poderia ser sucedido por um populismo progressista capaz de unir redistribuição econômica e reconhecimento identitário.
No entanto, no Brasil, forças conservadoras e neoliberais atuam para impedir essa convergência, mantendo a sociedade dividida.
No entanto, no Brasil, forças conservadoras e neoliberais atuam para impedir essa convergência, mantendo a sociedade dividida.
Conclusão: O Brasil preso ao interregno
O conjunto desses interesses — manutenção dos privilégios das elites, avanço do capital financeiro, uso político da desigualdade e fragmentação popular — mantém o país preso ao quadro descrito por Gramsci: um interregno histórico, onde o velho já não se sustenta e o novo ainda não pôde emergir.
Enquanto antigos modelos de desenvolvimento se esgotam sem que alternativas ganhem força, multiplicam-se sintomas mórbidos: crises institucionais, violência política, descrédito nas instituições, instabilidade econômica e degradação social.
Superar esse ciclo exige coragem política e visão estratégica. Será necessário:
recompor alianças sociais amplas,
enfraquecer a hegemonia neoliberal,
reestruturar o papel do Estado,
fortalecer a democracia participativa,
e criar um projeto nacional que una justiça social, inclusão política e sustentabilidade.
O Brasil tem potencial para inaugurar um novo horizonte histórico. O desafio é romper com os interesses que restringem seu futuro e construir, coletivamente, o país que ainda não nasceu — mas precisa urgentemente nascer.
recompor alianças sociais amplas,
enfraquecer a hegemonia neoliberal,
reestruturar o papel do Estado,
fortalecer a democracia participativa,
e criar um projeto nacional que una justiça social, inclusão política e sustentabilidade.
🌑 Poema – “Interregno do Brasil” (Versão Aprimorada)
Por Osvaldino Vieira de Santana – 18 de novembro de 2025
No alto da colina da História
ergue-se o velho palácio dos privilégios,
feito de silêncios antigos
e portas que só se abrem para os mesmos.
Ali, o tempo não se move:
repete-se, repete-se,
como um relógio que só acorda
para conservar o que sempre foi.
Enquanto isso, cá embaixo,
na planície onde o povo amanhece,
o Brasil caminha dividido,
carregando nos ombros a geografia da desigualdade.
Cada passo é um esforço,
cada dia, um enfrentamento
entre a esperança que insiste
e o cansaço que pesa.
O capital financeiro, senhor das sombras,
governa sem rosto e sem votos,
ditando a aridez das políticas
que medem vidas em planilhas
e sacrificam futuros em nome do mercado.
É ele quem escolhe
quem pode sonhar,
quem deve temer,
quem precisa se calar.
E no tumulto das ruas digitais,
a polarização acende pequenas fogueiras:
palavras viram lâminas,
mentiras viram munição,
e a dor do povo,
transformada em campo de batalha,
vira espetáculo para quem lucra
com o caos que não sente.
Gramsci sopra no vento:
“O velho está morrendo…”
Mas o novo, imóvel na penumbra,
ainda procura força para nascer.
Procura braços,
procura vozes,
procura um país que o queira.
Mas estamos fraturados:
pela precariedade que separa,
pelas telas que distorcem o mundo,
pela fé usada como instrumento,
pelas identidades colocadas umas contra as outras.
Cada grupo guarda sua dor,
cada parte defende seu pedaço,
e o todo se perde no labirinto.
Mesmo assim, na beira da noite,
onde a lua acaricia os telhados das periferias,
brotam sementes teimosas de futuro:
mãos que se encontram,
vozes que se elevam,
coragens que florescem
no terreno que muitos julgam infértil.
Talvez seja dessa rebeldia cotidiana—
da mãe que não desiste,
do jovem que questiona,
do trabalhador que resiste,
da comunidade que se organiza—
que nasça o país por vir.
Que o interregno não seja apenas espera,
mas também reinvenção:
o gesto que rompe,
a ponte que liga,
o sopro que ilumina,
o passo que inaugura
o Brasil que ainda não nasceu,
mas que insiste em pulsar
no coração de quem não desistiu.
