900/09-O Haiti e a Escravidão por Dívida: As Novas Correntes da Dominação Global

 



O Haiti e a Escravidão por Dívida: As Novas Correntes da Dominação Global

Por Osvaldino Vieira de Santana
19 de novembro de 2025
Livro: “Paraísos Fiscais: As Cavernas dos Vampiros Globais” (título provisório)

A história do Haiti permanece como um dos símbolos mais contundentes da perversidade colonial. Após conquistar a liberdade por meio de uma revolução conduzida pelos próprios escravizados, o país foi novamente acorrentado — desta vez pela escravidão por dívida.

Em 1825, o rei Carlos X, da França, enviou navios de guerra a Porto Príncipe e impôs uma indenização de 150 milhões de francos-ouro como “compensação” aos ex-proprietários de escravos. Foi uma das maiores extorsões já registradas contra um Estado soberano. O Haiti passou mais de um século pagando por sua independência, drenando sua capacidade de desenvolvimento.

Dois séculos depois, essa lógica reaparece sob novas formas — mais sofisticadas, financeiras, digitais e globais.


1. A nova engenharia da dominação: extrema-direita transnacional, tecnologia, armas, fanatismo religioso e paradis fiscaux

No século XXI, um consórcio internacional de extrema-direita opera um modelo de dominação multiforme que integra:

  • tecnologia digital para vigilância e manipulação política,

  • indústria do armamento que lucra com insegurança global,

  • fanatismo religioso convertido em instrumento de poder,

  • e os paradis fiscaux — os paraísos fiscais — como cofres subterrâneos do capital ilícito.

Enquanto massas são distraídas por discursos moralistas, teorias conspiratórias e igrejas que prometem prosperidade divina, trilhões de dólares circulam clandestinamente por paraísos fiscais, blindando fortunas e minando a capacidade dos Estados de financiar políticas sociais.

Os paraísos fiscais funcionam hoje como as novas cavernas dos vampiros globais, onde o capital se esconde, se multiplica e suga a vitalidade econômica de nações inteiras — inclusive do Brasil.


2. Uberização e servidão digital: a escravidão contemporânea

A retórica de “liberdade empreendedora” esconde um sistema brutal de precarização. Milhões de trabalhadores uberizados vivem sob:

  • jornadas imprevisíveis e extenuantes;

  • zero direitos trabalhistas;

  • dependência absoluta de algoritmos;

  • endividamento estrutural para manter o próprio instrumento de trabalho.

É uma nova modalidade de servidão: o trabalhador paga para trabalhar, enquanto megacorporações — muitas sediadas em paraísos fiscais — capturam lucros bilionários sem pagar impostos nos países onde exploram mão de obra.

A lógica é a mesma da imposição colonial francesa ao Haiti: os de baixo financiam o luxo dos de cima.


3. O sangramento da economia popular: bets, jogos digitais e destruição silenciosa da renda

As plataformas de apostas — as bets — transformaram a vulnerabilidade econômica da população em modelo de negócio.

Com publicidade agressiva, em horário nobre, e influenciadores ostentando riquezas surreais, as bets capturam o desespero financeiro de quem vê no “golpe de sorte” a única saída possível.

O resultado é devastador:

  • endividamento em massa;

  • transferência diária de bilhões para conglomerados estrangeiros;

  • perdas para o comércio local;

  • erosão da renda familiar;

  • impacto direto no consumo e na economia real.

A maioria dessas empresas tem vínculos com paraísos fiscais, dificultando fiscalização, tributação e controle. A economia popular sangra silenciosamente para alimentar fortunas que ninguém vê, mas todos sentem.


4. O tabu da justiça tributária: a blindagem dos bilionários

Não cobrar impostos dos super-ricos se tornou um dogma político, um verdadeiro sacrilégio contemporâneo.

Em sociedades capturadas pelo capital financeiro, qualquer debate sobre:

  • taxação de grandes fortunas,

  • tributação de lucros e dividendos,

  • combate à evasão fiscal,

  • ou regulação dos paraísos fiscais

é imediatamente rotulado como “ataque à economia”.

A proteção aos bilionários é tão intensa que a estrutura tributária funciona ao inverso: quem vive de salário paga proporcionalmente muito mais do que quem vive de renda, heranças ou especulação financeira.

É uma forma sofisticada de servidão tributária.

A riqueza concentra-se num topo cada vez menor, enquanto o Estado perde capacidade de financiar saúde, educação, segurança e políticas sociais — terreno fértil para a insegurança, o medo e o autoritarismo.


5. O mito dos “bons colonizadores”: a fantasia que sustenta a submissão

No Brasil, insiste-se na falsa crença de que, se outro país europeu tivesse nos colonizado, seríamos uma nação desenvolvida. É um delírio que ignora o essencial: não existe colonizador benevolente.

Inglaterra, Espanha, Bélgica, Alemanha, Holanda — todas praticaram genocídios, escravidão e espoliação em escala global. A ideia de “colonização moderna e civilizada” é uma fantasia que serve para ocultar a violência estrutural que moldou — e continua moldando — a desigualdade brasileira.

Esse mito impede que o país compreenda seu passado e enfrente seu presente.


Conclusão: o Haiti é o aviso que o mundo insiste em não ouvir

A escravidão por dívida imposta ao Haiti é o espelho de nossa atualidade.
O que ontem foi feito com canhões, hoje é feito com:

  • algoritmos,

  • endividamento,

  • plataformas digitais,

  • paraísos fiscais,

  • mercado de apostas,

  • desmonte do Estado social,

  • e política tributária regressiva.

As correntes mudaram de aparência, mas não de função.

Se quisermos superar esta nova ordem colonial, precisaremos:

  • enfrentar a blindagem dos super-ricos,

  • romper com os paraísos fiscais,

  • regular plataformas e apostas,

  • reconstruir o Estado social,

  • e reorganizar a economia para servir ao povo, e não ao capital predatório.

Este é o desafio do século XXI.
E o Haiti — primeiro país negro independente das Américas — continua sendo o farol que aponta tanto o perigo quanto o caminho da libertação.

 A Dívida que Não Morre

Por Osvaldino Vieira de Santana, 19/11/2025.

No Haiti, o açoite virou decreto,
a chibata virou papel,
e a liberdade recém-nascida
foi cobrada a preço de ouro
por mãos que jamais souberam
o significado de ser livre.

Carlos X não brandiu o chicote —
apenas apontou canhões,
e a dívida nasceu como veneno
infiltrado na terra dos libertos,
corrente fria que não se vê,
mas que arrasta um povo inteiro
para o fundo da história.

Hoje, a mesma corrente retorna,
polida, digital, sorrateira.
Agora veste terno,
fala inglês financeiro
e se esconde nas sombras dos
paradis fiscaux,
essas cavernas onde os vampiros globais
guardam o sangue do mundo.

O trabalhador moderno
não carrega grilhões nos pés,
mas códigos no celular.
Paga para rodar,
paga para entregar,
paga para existir.
A uberização é só outro nome
para o antigo ofício da servidão.

E enquanto isso,
as bets devoram esperanças:
cada clique é uma veia aberta,
cada aposta é uma parte do salário
que escorre para lugares sem bandeira,
onde nenhum pobre entra
e nenhum bilionário paga imposto.

O Estado, antes abrigo,
hoje respira por máquinas.
O social virou gasto,
os direitos viraram luxo,
e o povo virou alvo
de profetas do ódio,
que trocam fé por controle
e vendem o céu em parcelas.

E há quem ainda acredite
no mito dos “bons colonizadores”,
como se a dor tivesse cor diferente
dependendo do idioma do algoz.
Ilusão doce,
estúpida,
colonizada.

As correntes nunca sumiram,
só mudaram de disfarce.
Agora são linhas de código,
leis invisíveis,
mecanismos tributários,
apostas on-line,
armas de opinião
e fortunas escondidas
em paraísos que só existem
para poucos.

Mas o Haiti insiste,
resiste,
ensina:
um povo só é escravo
enquanto acredita que o é.

E quando desperta,
não há império,
não há banco,
não há paraíso fiscal
que contenha o levante
de uma humanidade decidida
a quebrar, de vez,
todas as suas correntes invisíveis.



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