Políticas Sociais e a Indústria da Doença
Por Osvaldino Vieira de Santana – 04/10/2025
A elevação da qualidade e da acessibilidade dos serviços públicos de saúde é uma das condições centrais para romper com o modelo econômico que transforma o sofrimento humano em mercadoria. Ladislau Dowbor denomina de “indústria da doença” o sistema em que o lucro das corporações farmacêuticas, hospitais privados e planos de saúde depende da manutenção da enfermidade, e não da promoção da saúde.
Em outras palavras, a lógica atual tende a estimular o consumo de remédios, exames e procedimentos — muitas vezes desnecessários —, enquanto negligencia os investimentos em prevenção, saneamento e educação sanitária.
O que está em jogo é uma mudança de paradigma civilizatório: sair da lógica curativa, centrada na doença, para uma lógica preventiva e emancipatória, centrada na vida e no bem-estar coletivo.
Quando Dowbor afirma que “os governos devem ver os serviços públicos como investimentos, e não como obrigações”, ele nos convida a compreender que a saúde pública é um pilar estratégico do desenvolvimento humano, não um custo fiscal.
Cada real investido em saneamento básico, vacinação, segurança alimentar e práticas de bem viver representa economia futura em internações, tratamentos e perda de produtividade.
A chamada indústria da doença se alimenta da desigualdade.
Quanto mais precárias forem as condições de vida, maior será o número de pessoas vulneráveis e dependentes do mercado da saúde privada.
Por isso, ampliar o SUS, fortalecer a atenção básica e valorizar os profissionais da área são medidas que transcendem o campo médico — são instrumentos de justiça social, reconstrução nacional e soberania pública sobre a vida.
A década entre 2003 e 2013, denominada pelo Banco Mundial como “Golden Decade of Brazil”, demonstrou que é possível avançar em políticas inclusivas com resultados concretos: redução da mortalidade infantil, ampliação da vacinação, expansão das universidades e diminuição das desigualdades regionais.
Contudo, os retrocessos iniciados a partir de 2014, com a desestruturação das políticas sociais e a financeirização da gestão pública, reabriram feridas que o país ainda tenta cicatrizar.
Elevar a qualidade e a universalidade dos serviços públicos de saúde é devolver ao Estado seu papel civilizatório — o de garantir que o direito à vida prevaleça sobre o lucro.
Somente com governança pública comprometida com a prevenção, a transparência e o cuidado coletivo será possível desmontar a engrenagem da indústria da doença e consolidar um modelo de saúde que promova a vida em sua plenitude — e não o mercado da enfermidade.
🎭 Poesia: Indústria da Doença – A Economia do Sofrimento
Por Osvaldino Vieira de Santana – 07/10/2025
Nas prateleiras do lucro e da dor,
vendem-se pílulas como promessas de amor.
A febre é negócio, a cura ameaça,
a doença sustenta quem fatura e disfarça.
O corpo do pobre, laboratório barato,
transforma o remédio em contrato ingrato.
Enquanto o SUS luta com o que tem,
as corporações vendem a saúde de ninguém.
Dowbor aponta o vício do sistema:
tratar o sintoma e manter o problema.
O povo adoece, o mercado floresce,
o lucro progride, a vida padece.
Na lógica fria dos planos e fármacos,
a dor é recurso, a vida — um cálculo.
Prevenir não rende, curar dá bônus,
e o corpo humano paga os tronos.
Mas há quem insista: saúde é direito,
não mercadoria de bolso perfeito.
Cada real em água, comida e vacina
vale mais que bilhões em medicina fina.
Lembrança dourada da década gentil,
quando o Brasil sorriu, menos febril.
Vacina nas veias, escola no chão,
pão e cuidado na mesma mão.
Depois veio a queda, o corte, o retrocesso,
o SUS em combate, o lucro em sucesso.
A pátria ferida, privatizada,
a doença virou marca registrada.
É tempo de cura, de Estado decente,
de saúde pública para toda gente.
Que o governo invista, que o povo confie,
que a vida prevaleça sobre o PIB que nos fere e corrompe.
E quando o futuro bater na janela,
que o hospital se transforme em escola mais bela.
Pois quem planta saúde, colhe nação —
cura o corpo e também o coração.
