đź“– CapĂtulo 5 – O Capital se Desloca: o Brasil da Abundância Mal Gerida
Por Osvaldino Vieira de Santana – 04/10/2025
📰 Matéria
Enquanto o mundo se transforma pela revolução digital e pelo avanço da inteligência artificial, o Brasil segue preso a um modelo econômico que concentra riquezas e desperdiça potencial humano e natural.
O economista Ladislau Dowbor, em O capitalismo se desloca, demonstra que vivemos um tempo em que o valor econĂ´mico deixou de depender da produção material — das fábricas, dos campos e do suor humano — para migrar ao controle das redes, dos algoritmos e das plataformas que intermediam tudo: o dinheiro, a informação, o conhecimento e atĂ© a prĂłpria vida social.
A lĂłgica produtiva foi substituĂda por uma lĂłgica extrativa. O lucro deixou o chĂŁo da fábrica para se instalar nas telas, nos softwares, nas patentes e nos direitos autorais controlados por grandes conglomerados. O trabalho humano, a terra fĂ©rtil e a inteligĂŞncia coletiva tornaram-se meras engrenagens de um sistema onde poucos controlam os meios digitais e simbĂłlicos de geração de riqueza.
No entanto, o Brasil continua sendo uma das nações mais ricas do planeta em recursos naturais. São mais de 160 milhões de hectares de terras improdutivas, concentradas nas mãos de poucos, enquanto milhões de brasileiros enfrentam fome e desemprego.
Se o Produto Interno Bruto (PIB) do paĂs — que ultrapassa R$ 12 trilhões — fosse dividido de forma equitativa, cada famĂlia de quatro pessoas poderia viver com cerca de R$ 17 mil por mĂŞs. Isso mostra que o problema nĂŁo Ă© econĂ´mico, e sim de governança.
Temos terra parada, fábricas ociosas e mais de 100 milhões de pessoas na força de trabalho, muitas delas subutilizadas em atividades precárias ou informais. Essa equação absurda revela um paĂs que nĂŁo organiza sua economia para o benefĂcio da população, mas para sustentar privilĂ©gios financeiros, monopĂłlios digitais e uma elite rentista que nĂŁo produz, apenas extrai.
O desafio, como defende Dowbor, Ă© reconfigurar a governança econĂ´mica, submetendo a tecnologia, o crĂ©dito e a polĂtica fiscal ao interesse pĂşblico. O paĂs precisa deixar de ser refĂ©m dos atravessadores — financeiros, jurĂdicos ou digitais — que se alimentam da improdutividade geral.
O caminho está em criar mais rendas na base, reorganizando a economia a partir da produção de bens e serviços reais e do fortalecimento das polĂticas sociais.
Isso significa fomentar o uso produtivo da terra, o cooperativismo, a economia solidária, os bancos comunitários e o investimento público em inovação.
O Brasil nĂŁo Ă© um paĂs pobre. É um paĂs mal governado e mal distribuĂdo, onde a abundância Ă© sequestrada por sistemas de intermediação que nĂŁo geram valor, apenas controlam fluxos.
O desafio da nova era digital Ă© resgatar o propĂłsito do desenvolvimento: organizar a economia para servir Ă vida — e nĂŁo o contrário.
✒️ Poema – O Capital se Desloca
Por Osvaldino Vieira de Santana – 04/10/2025
(Adaptação poĂ©tica da matĂ©ria “O Brasil da Abundância Mal Gerida”)
O capital se desloca, muda o chão da fábrica,
vira nuvem, algoritmo, patente e prática.
Lucro que nĂŁo nasce do suor, da mĂŁo calejada,
mas de cĂłdigo e dado — riqueza fabricada.
Enquanto o povo trabalha, o sistema lucra dormindo,
milhões produzem, poucos seguem consumindo.
O pĂŁo da mesa vem caro, o campo parado em silĂŞncio,
cento e sessenta milhões de hectares sem sustento.
Não é falta de chão, nem de braço, nem de ideia,
Ă© excesso de poder nas mĂŁos da velha colmeia.
Se o PIB fosse pão repartido com justiça,
toda famĂlia teria renda e dignidade Ă vista.
Mas o Brasil da fartura vive a contradição,
terra fértil, gente viva e economia sem direção.
O problema nĂŁo Ă© a moeda, nem o nĂşmero da conta,
é a governança falha, que a verdade desmonta.
Mais de cem milhões de braços sem função plena,
força subutilizada — ferida que envenena.
Enquanto a elite digital acumula fortuna,
o povo se perde na fila, esperando a ajuda.
A economia virou espetáculo, show de tela e clique,
a riqueza virou sombra, o pobre Ă© quem abdique.
O lucro nĂŁo vem do campo, nem do engenho, nem da mente,
vem do atravessador que cobra o pedágio da gente.
O paĂs precisa voltar a produzir sentido,
pôr o dinheiro a serviço do bem repartido.
Fazer brotar nas bases a renda esquecida,
organizar o sistema pra servir Ă vida.
A terra clama, o povo espera,
o tempo Ă© agora — nĂŁo mais primavera.
Reconfigurar o poder, mudar o roteiro,
pra o Brasil deixar de ser colĂ´nia do rentista inteiro.
Porque o capital se desloca,
mas a consciĂŞncia desperta.
E quando o povo se organiza,
a abundância se liberta.
