500/32-A farsa da redenção: o Brasil mestiço e a cidadania de papel

 



A farsa da redenção: o Brasil mestiço e a cidadania de papel

Por Osvaldino Vieira de Santana
02 de agosto de 2025

A pintura “A Redenção de Cam”, de Modesto Brocos, é um símbolo visual do mito da democracia racial brasileira — uma ideia que, embora profundamente arraigada no imaginário nacional, não corresponde à realidade social e política do Brasil atual. A tela mostra uma família negra celebrando o embranquecimento geracional de seus descendentes, em uma narrativa simbólica que exalta a miscigenação como via de “redenção”. Porém, como demonstra a história dos últimos séculos, essa promessa jamais se cumpriu.

Em pleno 2025, os corpos mestiços continuam visíveis nas estatísticas da pobreza, da violência, da exclusão e do encarceramento. O “bom mestiço” idealizado por Gilberto Freyre — um ser plástico, cordial, espontâneo e pacífico — serviu como fantasia para a construção de uma identidade nacional apaziguada, mas que encobre o racismo estrutural profundamente enraizado nas instituições e nas relações sociais.

O processo de miscigenação, embora biológico e histórico, não se converteu em inclusão social e cidadania real. A população mestiça, que compõe a maior parte da população brasileira, ainda vive sem acesso pleno a direitos fundamentais, como moradia digna, educação de qualidade, saneamento básico e segurança pública. O Brasil moderno é, em grande parte, herdeiro da Casa Grande, onde a cidadania da senzala foi transformada em uma “cidadania de papel”.

A elite brasileira, moldada desde o período colonial, permanece alinhada com valores de dominação, exclusão e subserviência ao capital internacional. Pior: essa elite tem aderido fortemente às novas formas de autoritarismo global, representadas pelo bolsonarismo aqui no Brasil, e sua vinculação ideológica com o trumpismo — movimento que combina ultraliberalismo econômico, autoritarismo político, negacionismo científico e desinformação em massa.

O “tarifaço de Trump” escancara a submissão da direita brasileira aos interesses estadunidenses, demonstrando que o Brasil ainda opera sob lógica de colônia — agora não apenas econômica, mas também ideológica. Essa mentalidade colonial é replicada em políticas públicas que negligenciam os mais pobres e protegem os interesses do 1% mais rico.

Em um país onde a mistura dos corpos não significou a fusão dos direitos, a pintura “A Redenção de Cam” não pode ser lida como superação do racismo, mas como seu disfarce mais sofisticado.
Enquanto a maioria mestiça continuar à margem dos direitos básicos, não haverá redenção, mas repetição da desigualdade. Desconstruir o mito da democracia racial é um passo fundamental para pensar um Brasil mais justo, plural e efetivamente democrático — onde os filhos da senzala não sejam apenas consumidores de uma cultura dominante, mas sujeitos plenos de direitos, memória e história.

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