A farsa da redenção: o
Brasil mestiço e a cidadania de papel
Por
Osvaldino Vieira de Santana
02 de agosto de 2025
A pintura
“A Redenção de Cam”, de Modesto Brocos, é um símbolo visual do mito da
democracia racial brasileira — uma ideia que, embora profundamente arraigada no
imaginário nacional, não corresponde à realidade social e política do Brasil
atual. A tela mostra uma família negra celebrando o embranquecimento geracional
de seus descendentes, em uma narrativa simbólica que exalta a miscigenação como
via de “redenção”. Porém, como demonstra a história dos últimos séculos, essa
promessa jamais se cumpriu.
Em pleno
2025, os corpos mestiços continuam visíveis nas estatísticas da pobreza, da
violência, da exclusão e do encarceramento. O “bom mestiço” idealizado por
Gilberto Freyre — um ser plástico, cordial, espontâneo e pacífico — serviu como
fantasia para a construção de uma identidade nacional apaziguada, mas que
encobre o racismo estrutural profundamente enraizado nas instituições e nas
relações sociais.
O processo
de miscigenação, embora biológico e histórico, não se converteu em inclusão
social e cidadania real. A população mestiça, que compõe a maior parte da
população brasileira, ainda vive sem acesso pleno a direitos fundamentais, como
moradia digna, educação de qualidade, saneamento básico e segurança pública. O
Brasil moderno é, em grande parte, herdeiro da Casa Grande, onde a cidadania da
senzala foi transformada em uma “cidadania de papel”.
A elite
brasileira, moldada desde o período colonial, permanece alinhada com valores de
dominação, exclusão e subserviência ao capital internacional. Pior: essa elite
tem aderido fortemente às novas formas de autoritarismo global, representadas
pelo bolsonarismo aqui no Brasil, e sua vinculação ideológica com o trumpismo — movimento que
combina ultraliberalismo econômico, autoritarismo político, negacionismo
científico e desinformação em massa.
O “tarifaço
de Trump” escancara a submissão da direita brasileira aos interesses
estadunidenses, demonstrando que o Brasil ainda opera sob lógica de colônia —
agora não apenas econômica, mas também ideológica. Essa mentalidade colonial é
replicada em políticas públicas que negligenciam os mais pobres e protegem os
interesses do 1% mais rico.
Em um país
onde a mistura dos corpos não significou a fusão dos direitos, a pintura “A
Redenção de Cam” não pode ser lida como superação do racismo, mas como seu
disfarce mais sofisticado.
Enquanto a maioria mestiça continuar à margem dos direitos básicos, não haverá
redenção, mas repetição da desigualdade. Desconstruir o mito da democracia
racial é um passo fundamental para pensar um Brasil mais justo, plural e
efetivamente democrático — onde os filhos da senzala não sejam apenas
consumidores de uma cultura dominante, mas sujeitos plenos de direitos, memória
e história.