Sócrates, a Memória e a Inteligência Artificial
Por Osvaldino Vieira de Santana – 23/05/2025
Em toda a história da humanidade, a chegada de novas tecnologias sempre provocou medo, resistência e até rejeição. Esse fenômeno não é novo. Na Grécia Antiga, o filósofo Sócrates, um dos pilares do pensamento ocidental, expressou profunda desconfiança em relação à escrita. Para ele, o ato de registrar o conhecimento no papel provocaria o enfraquecimento da memória e da sabedoria. Sócrates temia que os homens, ao se apoiarem nos registros escritos, se tornassem superficiais, esquecendo-se de exercitar a própria mente.
Curiosamente, foi graças aos registros feitos por seu discípulo Platão que hoje conhecemos os ensinamentos de Sócrates. O mesmo aconteceu com o cristianismo. Se não fossem os registros escritos dos apóstolos, especialmente as epístolas de Paulo de Tarso, seria improvável que essa mensagem alcançasse o mundo. O que começou como uma tradição oral ganhou força, estrutura e expansão graças ao poder da escrita.
A escrita como guardiã da cultura
Ao longo dos séculos, a escrita se consolidou como um dos maiores patrimônios da humanidade. Foi ela que permitiu não só conservar saberes, mas também expandi-los entre gerações. Sem os textos de Platão, perderíamos grande parte da herança socrática. Sem os documentos, os livros, os tratados e as pesquisas, as civilizações não teriam construído a base do conhecimento que hoje sustenta sociedades, democracias e avanços científicos.
O outro lado das inovações
Entretanto, a história também mostra que toda inovação carrega uma dualidade. O mesmo conhecimento que permitiu avanços extraordinários também foi utilizado para fins destrutivos. A energia nuclear, por exemplo, que poderia ser uma fonte inesgotável de energia limpa, foi transformada em armas de destruição em massa, trazendo cicatrizes profundas para a humanidade.
Assim como outras tecnologias, a Inteligência Artificial (IA) segue esse mesmo caminho. Trata-se de uma ferramenta capaz de realizar tarefas complexas que, até pouco tempo atrás, eram exclusivas do raciocínio humano. A IA aprende, resolve problemas, toma decisões, traduz idiomas, reconhece padrões e oferece soluções em tempo real.
IA: ferramenta, não substituta da inteligência humana
Mas é preciso cautela. A IA não é mágica nem autônoma no sentido absoluto. Ela reflete o que nós, humanos, colocamos nela. É alimentada por dados, textos, imagens, códigos e informações — e é exatamente por isso que quem a programa, treina e utiliza deve assumir a responsabilidade ética e técnica sobre ela.
É fundamental compreender que a principal diferença entre um algoritmo e a IA é que o algoritmo define o processo pelo qual uma decisão é tomada, enquanto a IA utiliza grandes volumes de dados de treinamento para realizar essa decisão. Por exemplo, podemos coletar dados de milhares de horas de direção de diferentes motoristas e treinar a IA sobre como dirigir um carro. Contudo, é essencial deixar claro que esses algoritmos são criados por programadores humanos, que definem as regras, os parâmetros e os objetivos que a IA irá seguir.
Portanto, embora a IA influencie diretamente as decisões finais — seja na recomendação de um conteúdo, na condução de um veículo autônomo ou até na análise de diagnósticos médicos —, a responsabilidade última permanece nas mãos dos seres humanos. São os humanos que determinam os dados, os critérios e as lógicas que a IA seguirá, assim como são eles que devem supervisionar, avaliar e corrigir eventuais falhas ou desvios.
No fim das contas, permanece atual — e mais urgente do que nunca — a reflexão socrática: “Conhece-te a ti mesmo”. Nunca fez tanto sentido, em um mundo onde ensinamos máquinas a pensar, lembrar e decidir, que nós, humanos, sejamos vigilantes, críticos e profundamente conscientes sobre o que estamos ensinando a elas — reconhecendo que, embora a IA influencie decisões, a responsabilidade final, tanto ética quanto técnica, é, e sempre será, humana.
Sócrates, a Memória e a Máquina
Por Osvaldino Vieira de Santana – 23/05/2025
No berço da velha Atenas, um sábio a falar,
Temia que a escrita pudesse nos alienar.
“Se no papel repousar o saber,
Na mente, o esquecimento irá florescer.”
Mas irônico é o destino, veja só a lição:
Foi Platão, com sua pena, quem guardou sua razão.
Assim como as epístolas cruzaram o mar,
E o Cristo, em palavras, pôde se eternizar.
A escrita ergueu pontes, guardou civilização,
De papiros a livros, fez-se revolução.
Guardou pensamentos, verdades e visões,
E fez dos homens mestres de suas próprias invenções.
Mas cada nova lâmpada que acende a humanidade,
Projeta, no escuro, também a maldade.
Da energia que cura, surgiu destruição,
Quando a bomba explodiu, feriu nossa condição.
Agora é a Inteligência Artificial que vem nos visitar,
Máquinas que pensam, começam a falar.
Aprendem, decidem, fazem previsão,
Mas quem as programa? Quem segura sua mão?
Por trás dos algoritmos, pulsa a mente humana,
Que molda, que treina, que define quem manda.
É dado, é código, é intenção na criação,
E a ética, meu amigo, precisa estar na decisão.
Se a máquina dirige, se a máquina traduz,
É o homem quem escreve qual caminho ela conduz.
Pois embora ela influa, ajude e até decida,
O peso da escolha é da mão que dá a vida.
Por isso, Sócrates grita no vento imortal:
“Conhece-te a ti mesmo!” — eco essencial.
Nunca foi tão urgente parar e refletir,
Se ensinamos a máquina, que estamos a transmitir?
Que sejamos guardiões, da memória e da razão,
Pois a Inteligência Artificial é espelho da nossa própria mão.
Se guiada com sabedoria, será luz a brilhar,
Mas se perdida na ignorância, pode nos cegar.
Link do tema no gênero músical Folk Conteporâneo: https://suno.com/s/YN0p9HTKWDC6Q1i9