600/001-Título: A falsa abundância do agro: segurança alimentar em risco no Brasil


 Título: A falsa abundância do agro: segurança alimentar em risco no Brasil

Autor: Osvaldino Vieira de Santana
Data: 17 de maio de 2025



Apesar das safras recordes e da imagem de potência agroexportadora, o Brasil enfrenta uma contradição grave: o preço dos alimentos continua a subir, e a insegurança alimentar avança entre as camadas mais vulneráveis da população. A explicação para esse paradoxo não está na falta de produção, mas na forma como ela está organizada.

De acordo com matéria recente publicada pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL), o Brasil projeta para 2025 uma safra de 328,4 milhões de toneladas, um aumento de 12,2% em relação ao ano anterior. No entanto, essa produção massiva, liderada por commodities como soja e milho, destina-se prioritariamente ao mercado externo e à indústria de ração animal, atendendo os interesses de grandes conglomerados agroindustriais e de países hegemônicos como a China.

Enquanto isso, no mercado interno, os preços dos alimentos básicos não cessam de subir, afetando diretamente o prato do trabalhador brasileiro. Isso revela o esvaziamento das políticas públicas voltadas à segurança alimentar, resultado de uma lógica de produção agroexportadora que ignora as necessidades alimentares do povo.

O Plano Safra 2024/25 é uma demonstração cabal dessa assimetria. Do total de R$ 476,59 bilhões destinados ao financiamento agrícola, R$ 400,59 bilhões foram alocados para a agricultura empresarial, enquanto apenas R$ 76 bilhões ficaram para a agricultura familiar – segmento responsável por cerca de 70% dos alimentos que chegam às mesas brasileiras. Mesmo com um papel fundamental na segurança alimentar e na preservação de práticas sustentáveis, os agricultores familiares continuam subfinanciados e marginalizados pelas políticas de crédito e assistência técnica.

É nesse contexto que ganha relevância a fala de Itamar Muritiba, liderança cooperativista da região de Baixa Grande, na Bahia, ao defender um diálogo entre agronegócio, agricultura familiar e produtores intermediários como caminho para reduzir desigualdades sociais. No entanto, para que essa união seja real e justa, ela precisa partir do reconhecimento das desigualdades históricas e da necessidade de redistribuição dos recursos públicos.

A classe dos médios produtores rurais deve lutar para conquistar uma fatia mais justa do orçamento, mas sem reproduzir os discursos da elite agrária que criminaliza movimentos sociais como o MST – maior movimento de apoio à agricultura familiar no Brasil. Ao contrário, é preciso consolidar alianças com quem promove o acesso à terra, a soberania alimentar e a justiça social no campo.

A monocultura, modelo predominante do agronegócio exportador, traz ainda sérios impactos ao meio ambiente. A degradação do solo, a contaminação dos lençóis freáticos, a perda de biodiversidade e o uso intensivo de agrotóxicos comprometem o equilíbrio dos ecossistemas e aprofundam a crise climática. Além disso, concentra renda e terras nas mãos de poucos, perpetuando a lógica colonial de exploração dos recursos naturais em benefício de potências estrangeiras.

Por isso, não se trata de “demonizar o agro”, mas de criticar um modelo que sacrifica a saúde da população, a soberania alimentar e o equilíbrio ambiental em nome do lucro de poucos. O verdadeiro bom senso está em reequilibrar as políticas públicas para fortalecer a agricultura familiar, apoiar a agroecologia e garantir alimentos saudáveis e acessíveis a todos os brasileiros.

Como bem disse o pensador Josué de Castro: "A fome é uma questão política". E enquanto não mudarmos a política agrícola do país, continuaremos reféns de um modelo que produz muito, mas alimenta pouco.


POESIA; Terra Farta, Mesa Vazia

Por Osvaldino Vieira de Santana – 17 de maio de 2025

Colhe o Brasil seu ouro verde,
na soja, no milho, o lucro se perde
em navios que cruzam o mar,
levando o pão que devia ficar.

Terra que dá, mas não reparte,
tem seu destino traçado em carta:
planta-se ração, colhe-se moeda,
e o povo na feira, com fome, se queda.

Na roça pequena, o suor insiste,
a mão calejada, a luta persiste.
Setenta por cento do prato vem dali,
mas recebe migalha o que fez por ti.

Plano Safra, nome bonito,
mas quem mais planta recebe o aflito.
Quatrocentos bilhões pro agro senhor,
setenta e seis pra quem planta com amor.

Diz o discurso da elite mimada:
“O MST é ameaça armada!”
Mas quem ocupa a terra e a faz viver
não é o latifúndio, é o povo a renascer.

Monocultura de veneno e ganância,
seca a nascente, sem esperança.
Já a agroecologia planta o amanhã,
com fruta no pé e arroz no divã.

Oh, médios irmãos, não sejam ponte
pra quem vos explora no alto do monte.
Unam-se ao povo, à justa reforma,
pra que a vida no campo tome nova forma.

Não é demonizar, é esclarecer:
o agro que mata precisa ceder.
Segurança alimentar não é favor,
é direito sagrado, é questão de amor.

E se há um bom senso, que seja este:
dar ao Brasil um futuro agreste
de terra viva, partilha e pão,
pra que ninguém mais coma solidão.


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