A Nova Servidão Voluntária no Século XXI
Por Osvaldino Vieira de Santana
Salvador, 14 de dezembro de 2024
O fenômeno da servidão voluntária, descrito no século XVI por Étienne de La Boétie, permanece assustadoramente atual. Em tempos de globalização, avanços tecnológicos e crises sociais, milhões de pessoas se veem presas a um sistema que, por sua natureza, aliena e submete.
La Boétie, em seu Discurso sobre a Servidão Voluntária, questiona por que multidões se submetem ao poder opressor de um só ou de instituições, sem resistência. Este questionamento ressoa nas análises de Karl Marx sobre o trabalho alienado, em que o indivíduo perde a conexão com sua própria produção e, consequentemente, com sua humanidade. Hoje, trabalhadores submetem-se a jornadas exaustivas e sistemas desiguais, movidos pela "doçura da alienação", conforme descrita pelo filósofo.
Para romper este ciclo, Paulo Freire propõe a educação libertadora como caminho para a emancipação. Em sua pedagogia, Freire defende que a educação crítica e dialógica permite que o indivíduo tome consciência de si e do mundo ao seu redor, transformando-se em agente de sua própria libertação. Sem essa reflexão, a servidão voluntária, apontada por La Boétie, perpetua-se, muitas vezes, disfarçada no conforto do conformismo.
O diálogo entre os dois pensadores se materializa nas lutas contemporâneas por direitos e justiça social. Enquanto Freire propõe a educação como instrumento de conscientização, La Boétie alerta para a necessidade de resistência coletiva frente à opressão. Ambos convergem na defesa da liberdade e da autonomia, princípios fundamentais para movimentos sociais e iniciativas de educação popular que buscam a emancipação.
No Brasil, onde a desigualdade e o trabalho precarizado ainda assombram milhões, revisitar esses pensadores é fundamental. A emancipação, através da educação crítica, é o antídoto necessário para quebrar as correntes da alienação e servidão voluntária no século XXI.
Outro fator relevante nesse contexto é a dependência do consumismo e a obsolescência programada, que reforçam a submissão das massas a um sistema que incentiva o descarte rápido e a constante necessidade de aquisição de novos produtos. Empresas e grandes corporações manipulam desejos e criam a ilusão de que a felicidade está atrelada à posse de bens materiais, enquanto a economia global se estrutura para garantir que itens adquiridos hoje se tornem obsoletos em um curto espaço de tempo. Assim, a servidão voluntária se perpetua através de um ciclo de consumo desenfreado, onde o trabalhador alienado não apenas vende sua força de trabalho, mas também se torna refém da própria produção.
Romper com essa lógica exige um olhar crítico sobre os mecanismos que reforçam a alienação e a servidão, sendo a educação um dos principais caminhos para essa tomada de consciência e emancipação.
A Nova Servidão Voluntária
Adaptação do poema "A Servidão Voluntária" de Osvaldino Vieira de Santana
Desde as sombras da história,
Ecoam vozes de senhores,
Hoje não mais com correntes,
Mas grilhões sedutores.
Senhores do ouro e do mercado,
Do lucro que tudo devora,
Transformam vidas em cifras,
Num ciclo que nunca demora.
“Servos, servos, comprem mais,
Que o novo já vai chegar;
Desfrutem de tudo e logo,
Pois amanhã terá que mudar.”
E as massas, em transe, compram,
Buscando o vazio preencher,
Enquanto os produtos caducam
No ritmo que lhes convém prever.
A obsolescência é a tática,
Estratégia de sedução,
Promessa de um mundo ideal,
Feito de eterna evolução.
"Servos, servos, descartem,
O velho já perdeu valor;
Rendam-se ao que é efêmero,
A cada novo e fugaz fulgor."
Assim, os deuses do consumo
Imprimem sua dominação,
Num ciclo que nunca finda,
De eterna substituição.
Senhores do desejo e do brilho,
Com telas e marcas cintilantes,
Vendendo ilusões e sonhos,
Em propagandas vibrantes.
“Servos, servos, acumulem,
E busquem o último modelo,
Pois na nova compra, talvez,
Encontrem enfim seu apelo.”
E o povo se perde em objetos,
Que logo deixam de bastar,
Prisioneiros de uma fome,
Que nunca se vê saciar.
E assim, os novos tiranos avançam,
Sem correntes ou açoite,
Forjando servidão com desejos,
Dia e noite, dia e noite.
Alimentam-se do anseio e do sonho
De um prazer que nunca virá,
Enquanto o povo, obediente,
Segue em servidão a marchar.